Duas da manhã. Dois graus. Frio. El Cilindro de Avellaneda descansa depois
de pisoteado por 50 mil boquenses e dois mil tricolores.
Quem vem lá?
No setor 5.
Duas sombras diluídas na névoa portenha. Dois fantasmas. Ohaco e Artola. O
primeiro artilheiro da academia do Racing ( 1913-1919), o segundo até hoje
homenageado por ter sido o primeiro presidente do centenário clube azul e
branco. Conversavam.
- O que houve aqui hoje? - perguntava Ohaco, que não teve a honra de jogar
no estádio, inaugurado em 1950.
- Querido, nosso estádio foi mais uma vez metáfora da vida. Infelizmente
sem o nosso time.
- Talvez seja esta a nossa grandeza. Inspirar.
- Pois, Ohaco, desde às dez da noite, petulantes brasileiros ousaram
extirpar um pé do tridente.
- Orgulho, Respeito e Medo ao Boca Juniors.
- E nós conhecemos isso muito bem, não? - lembrou Artola.
- Conte-me mais. Cheguei atrasado.
- Como também se atrasaram os boquenses. Enquanto os atletas brasileiros
faziam aquela brincadeira deles...
- Bobinho!
- Isto, divertiam-se com um bobinho no meio de campo, esquecendo-se da
turba e da pressão que viria das arquibancadas.
- Saudades - lamentou Ohaco.
- Pois meu querido artilheiro, eis o que se passou. Trajando a mesma camisa
que nosso rival Vélez usou por tanto tempo, este tal Fluminense, tão
secular quanto nosso amado Racing, veio a nossa casa, orgulhoso, querendo fazer
história, sem ser heróico.
- Sim, concordo, só os mais fracos(*) são capazes de feitos heróicos. Os
grandes apenas se impõem.
- Termino, pois, Ohaco, afinal já é tarde e precisamos continuar a
descansar. Apesar do frenesi de nossos compatriotas, de um volume de jogo
que lembrou nossas arrancadas do início do século passado, este orgulhoso
Fluminense respeitou o Boca, deixou o jogo correr, procurou também fazer
gols, não deixou a bola ser exclusividade portenha e saiu com um empate
digno, sabendo que ainda não há nada ganho.
- Afinal o Boca é o Boca - afirmou o fantasmagórico Ohaco.
- Sim, Ohaco. Mas há muito tempo não encontrava alguém pela frente que
simplesmente não tem medo da fama deles. E você sabe tão bem quanto eu, que
eles são tinhosos na arte de aterrorizar todos os que tentam desafiá-lo em
casa ou fora dela.
- Atlas, Cruzeiro e tantos outros.... Mas e a metáfora da vida, presidente?
Onde está?
Artola pigarreou, soltou a fumaça condensada pela boca, como que fumando
antigas cigarrilhas floridas, levantou, assustou-se com a temperatura fria
do cimento que envolvia as cadeiras da arquibancada. E meio que conversando
com as estruturas de metal suspensas, filosofou.
- Ohaco, tanto eu quanto você, pioneiros do futebol na América do Sul,
encaramos a vida desta forma. Com respeito e orgulho. Medo jamais. Sem ele,
pudemos escrever uma história junto com tantos outros. Pode ser que nosso
Racing hoje seja isso, uma coletânea de histórias, uma névoa de lembrança
nos mais jovens, uma potente nostalgia nos mais velhos. O ar hoje está
pesado. Uma navalha afiada seria capaz de cortá-lo, como escreveria aquele
menino colombiano que veio depois de nós. Afinal, 50 mil sofreram com a
falha do aspirante Migliore, que teve medo e não segurou a bola do rapazote
camisola 10 do Fluminense. O medo, Ohaco, existe dentro de todos nós.
Talvez sem ele, não tenhamos a coragem de ter respeito e orgulho pelo que vem pela
frente. Porém, ignorá-lo é a melhor das alquimias. O Fluminense não teve
medo aqui. Agora é hora do Boca não ter medo no Maracanã. E do Fluminense
redobrar seu respeito e orgulho. Nos resta ir a Ezeiza reservar duas
passagens para o Rio de Janeiro.
- Ora, Artola, e nós precisamos de avião para chegar ao Rio? - indagou um
fantasma ao outro.
- Esqueci. Ou talvez seja medo de lembrar do que já mais não sou.
O último refletor apagou, o último funcionário da televisão argentina
desplugou o último cabo. E Artola e Ohaco desceram as escadas, deixando
atrás de si lembranças recentes e distantes do futebol.
(*) que fique bem claro: fraco sob o olhar da mídia e das conquistas
recentes do Boca.
-> Texto de autor desconhecido, extraído do Orkut.
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Se o Flu vai passar, não sei. Só sei que passando ou não, vou ter o mesmo
orgulho de Tiago Silva e cia, pelo o que eles fizeram até então nesta
Libertadores.