A Grande Injustiça, por Millôr Fernades
Meu caro Tarso de Castro, só agora leio seu artigo da "Última Hora"
mostrando a total injustiça da vitória do Fluminense no campeonato da
cidade. (É da cidade, só? Parece até que foi do mundo!)
Quero dizer que estou plenamente de acôrdo com você. Dada a fibra, a
técnica, a total superioridade do Flamengo sôbre o Fluminense, a vitória
dêste sobre aquêle só se admite dentro da péssima estrutura do futebol, que
permite às vêzes, a um time incrìvelmente mais fraco, vencer outro,
visìvelmente mais forte. Aliás, dada a incomparável e incontestável
supremacia do Fla sôbre o Flu, não sei mesmo sequer a motivação do Jôgo.
Todos concordam que o Flamengo é infinitamente melhor, inclusive eu. A
partida não é para saber isso? Mas, se já se sabe, por que a partida?
Entregar-se imediatamente a taça ao Flamengo seria economizar dinheiro,
evitar o aborrecimento e o incômodo de 200 000 pessoas que enfrentam todos
os contratempos - um dêles: as barreiras alfandegárias do tráfego do Dr.
Celso Franco - para chegar ao Maraca. E, sobretudo, evitar essa incrível
injustiça que é colocar o Fluminense em campo. Porque em campo, êle vence.
Assim não é possível.
Pois, como você muito bem examinou, na última partida, o Flamengo foi
infinitamente melhor (o adjetivo, em se tratando do mengo, é maior, eu
sei!). Jogou mais, seus artilheiros artilharam mais, seus defensores
defensaram mais, seus armadores armadaram muito mais. Mas aí vem o comêço da
Grande Injustiça. Os seus penaltistas também penaltizaram muito mais. Como
as regras retrógradas das Fifas do mundo proíbem o penalty ou o Foul (que,
evidentemente, deveriam ser tão válidos no Soccer como o blêfe é no pôquer;
você já pensou naquele nosso pôquer sem o seu blêfe?), o Flamengo sempre
fica atrapalhado. O futebol, esporte de machos, feito para ser jogado
violentamente com os pés (como recomenda o psicanalista da café-society, o
Dr. Scholl), passou a ser encarado apenas como um joguinho de damas, um
passinho pra cá, outro passinho pra lá, onde qualquer canelada, joelhada ou
pontapé nos lagos são considerados puníveis com expulsão. ora, como o time
do Fla é infinitamente mais másculo do que o do Flu, claro está que terá
sempre mais jogadores expulsos. O onze Fluminense, umas damas, ficará sempre
íntegro em campo e ganhará a partida. Sobretudo se quando, como você
analisou muito bem, o jôgo é arbitrado por um juiz delicadinho como o
Armando Marques. E é aqui que me falha o talento, sinto que não tenho
veemência suficiente para aplaudir mais. Eu gostaria de ter a eloqüência de
um Tarso (já não digo a do Castro mas a do Torquato) para invectivar os que
continuam a escolher juízes pela técnica de arbitragem, pelo conhecimento
das regras, pela determinação de fazer cumprir a Lei Específica. Meu Deus do
céu - assim o Futebol acaba! Os juízes têm que ser escolhidos pela sua
(dêles, naturalmente) masculinidade. E então, é evidente, todos concordamos
no Juiz dos Juízes. Mário Viana. Porque essê, sim! Furioso, certa vez, com a
reação da torcida no campo do Botafogo, ficou em frente à geral, pôs as mãos
nas cadeiras, e desafiou tôda a torcida para a briga. Isso é que é árbitro!
Não o Armandinho, meu amigo lá da Saúde, que já confessou até - aqui mesmo
na VEJA - que uma vez saiu escondido do campo. Quer dizer, não teve a
hombridade de enfrentar 100 000 ou 200 000 pessoazinhas ali no tapa. Pode?
Não pode.
Olha, Tarso, está terminando o meu espaço regulamentar, e eu não posso
juntar mais argumentos a teu favor (isto é, do Flamengo). Mas, finalizando:
é fundamental acabar definitivamente, no Futebol, com essa coisa
superultrapassada: a aferição do valor dos times pela contagem dos gous
(Revisão, nada de gôlos!). Isso é que é a injustiça das injustiças. Isso é
que é um critério feito deliberadamente para ajudar o Fluminense e esmagar
os outros times; contando gous é claro que o Fluminense ganha. Porque, você
viu, e milhares de pessoas viram, no último Fla-Flu. O Flamengo partiu,
driblou, armou, encurralou o Fluminense durante dez minutos. Venceu-o
espetacularmente! E o que aconteceu? O Fluminense foi e, num contra-ataque
bôbo, de sorte única (Têle aliás tinha avisado: "contra-ataquem que a sorte
ajuda"), numa pura bamburra, vai e mete um gol. E bastou a sorte bafejar
três vêzes o Fluminense (contra as duas vêzes em que, numa operação
matemática do mais alto rigor científico, o Flamengo marcou dois gous) para
que noventa minutos de técnica cibernética fôssem anulados por três minutos
de superioridade metapsíquica.
Olha, Tarso, ou se acaba com o critério dos gous ou o futebol está morto.
Tem que ser consenso. Terminado o jôgo, a mesa redonda do Nelson e do Scassa
se reúne e diz quem ganhou. Ou se bota uma urna na porta do campo e a
torcida diz quem ganhou. Depois se divide tudo por 3,1416, se deduz o
impôsto progressivo e se fazem os proclamas. Aí você vai ver que o Flamengo
será tratado com a justiça devida. Ou, digo melhor, misericórdia !
P.S. - O Torquato é Tasso, mas entrou bem no lance.
M.F.
Millôr Fernandes, em Veja, 9 de Julho de 1969
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A Fra-press já atua há tempos.
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Ainda bem que temos, em nossa torcida, gênios como Millor, Nelson Rodriques, Cony, Chico Buarque, que respondem com brilhantismo a estes pulhas !!!
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LUGAR DE TRICOLOR AMANHÃ É NO MARACA !!!